Horto (1910)/Flor do campo
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A meu irmão Eloy
Moça ingênua e formosa,
Ó doce filha do sertão agreste!
O teu olhar celeste
Tem o fulgor da Noite luminosa.
Guarda a mesma doçura,
O mesmo encanto feito de esperanças
Dos olhos das crianças,
Ninho de sonho e ninho de ternura.
A luz do Paraíso,
Quando a alegria tua boca enflora,
Resplende como a aurora
Na graça virginal de um teu sorriso.
É’s inocente e boa
Como a Quimera que em teu seio canta
Tens a beleza santa
Da pomba amiga que no Espaço voa.
Jamais alguém te disse
Que tens o rosto branco como o gelo,
A noite no cabelo
E o sorriso tão cheio de meiguice.
Por isso inda é mais bela
A tua fronte cândida e tranqüila,
E o fogo que cintila
No teu olhar é como o de uma estrela.
Angélica e suave,
É tua voz que as almas adormece,
Um ciciar de prece,
Embalando a saudade de algum’ave.
Hoje tu’alma ignora
Toda a magia deste rosto puro;
Mas, olha, no futuro
Lembrar-te-ás do que não vês agora.
E, então, com que saudade
Recordarás esse passado morto
Em triste desconforto,
Chorando os sonhos da primeira idade.
Ó lindo malmequer,
Anjo que vives a sonhar com Deus...
Põe os olhos nos meus
E ouve bem séria o que te vou dizer:
Um dia, talvez cedo,
Teu coração palpitará inquieto
E, transbordando afeto,
Há de afagar um íntimo segredo.
Para tu’alma honesta
O Céu inteiro, iluminado, ó flor!
Com a luz de um puro amor
Há de brilhar como uma Igreja em festa.
E assim, risonha e calma,
Conduzirá ao porto da aliança,
Na barca da Esperança,
Como um troféu, o noivo de tu’alma.
E Deus há de baixar
Sobre estas duas mãos que o padre estreita,
A bênção mais perfeita,
O seu mais doce e mais divino olhar.
Feliz, muito feliz,
A tua vida correrá de manso
No plácido remanso
De quem adora o Céu e o Céu bem-diz.
Depois, do Paraíso,
Jesus há de enviar-te uma filhinha,
Formosa criancinha
Que embalarás cantando n’um sorriso.
E ela há de ser bonita
E boa como tu, anjo terrestre,
Ó linda flor silvestre,
Minha singela e casta margarida!
E após anos e anos,
Quando ela ficar moça e no teu rosto
A sombra do sol posto
For desdobrando o manto dos enganos.
N’um dia de verão,
Sentado à porta, à hora do descanso,
Sorrindo, bem de manso,
Há de dizer, pegando-te na mão.
O velho esposo amigo:
- Repara como é linda a nossa filha!
Seu riso como brilha!
Eras assim quando casei contigo.
E tu hás de evocar,
Entre saudades trêmulas e ais,
Aquele tempo que não volta mais!
E no gracioso olhar
De tua filha os olhos mergulhando,
Deixarás a tu’alma ir flutuando
Sobre a onda bendita
Daquele mar puríssimo e dolente...
E, então, murmurarás saudosamente:
Ah! como fui bonita!
Alto da Saudade.